Thursday 17 October 2013

Elemental - A elementar volta do ícone pop

               

   O Tears for Fears foi outra das bandas que marcaram minha vida, principalmente porque essa ouvi de todos os lados: meus tios gostam, meu pai gosta, minha mãe gosta. Eu demorei para aprender a apreciar de fato o conjunto musical deles porque só depois de ouvir a discografia e digeri-la é que entendi a dimensão da musicalidade que abrange. Não é à toa que eles venderam 25 milhões de cópias, ao todo, dos pouquíssimos seis álbuns e uma coletânea que eles possuem. Tive a oportunidade de desfrutar de um show deles em São Paulo, em 2011, no Credicard Hall, e o que eu vi é uma banda totalmente em forma, com uma performance perfeita e emocionante, e o que eu espero sinceramente é que haja um novo disco de presente para nós, em breve.
                Mas eu vou falar hoje de um disco não muito famoso da carreira deles, o “Elemental”. Eu poderia falar do “Raoul and the Kingsof Spain” que é menos famoso ainda (e tão bom quanto, na minha opinião), mas o fato é que “Elemental” é o marco para a volta da banda. Em 1991, Curt Smith e Roland Orzabal, que praticamente são o Tears for Fears, pois escreviam e compunham mais de 90% do material da banda, romperam a parceria por vários motivos: Smith queria reduzir a carga de trabalho (havia rompido o casamento durante a turnê do The Seeds of Love), Orzabal insistia em produzir, mesmo tendo sido criticado e falhado em tentativas anteriores (e ele estava, de certa forma, impondo essa produção) e o empresário Paul King havia falido a sua empresa que administrava a banda desde 1982, a King’s Outlaw Management Agency, que ao longo dos anos 80 havia gerado dívidas em cima de dívidas devido a fraudulências cometidas por King, que inclusive foram descobertas por Orzabal. Após esse rompimento, o Tears for Fears continua com Roland Orzabal, gravando o single Laid So Low (Tears Roll Down), que alcançou uma boa posição nas paradas e foi incluso na coletâneaTears Roll Down (Greatest Hist 1982-1992), que também teve um tremendo sucesso comercial, sendo condecorado com disco duplo de platina no Reino Unido. Mas é em 1993 que um álbum de inéditas é lançado novamente sob o nome Tears for Fears.
                Mas se a banda é apenas Roland Orzabal e Curt Smith, “Elemental” não seria apenas um álbum solo de Orzabal? Não. Mesmo sem Smith, esse álbum carrega a essência do Tears for Fears, a riqueza musical, a abundancia de timbres, de ritmos, letras que questionam e aconselham o ser humano moderno, enfim: o máximo da qualidade pop que a banda sempre teve. Além disso, podemos ouvir em “Tomcats Screaming Outside”, álbum solo de Orzabal, uma proposta bem diferente, em todos os quesitos, do Tears for Fears. O que não se pode negar é que esse álbum carrega toda a emoção e estrutura de Roland. “Elemental” foi gravado em um estúdio construído na casa dele, o “Neptune’s Kitchen”, na intenção de Roland ficar mais perto de sua esposa, que na ocasião estava gravida, e de gastar menos, é claro. Esse foi o trabalho, de fato, que ele se consolidou como produtor, e que envolveu basicamente o trabalho de quatro pessoas: ele, Allan Griffiths (guitarrista e colaborador de longa data do Tears for Fears, um dos poucos também em que colaboravam para escrever material), Tim Palmer (produtos que havia trabalhado com Roland no último single e futuramente com outros artistas, como o Pearl Jam em seu álbum TEN) e Bob Ludwig, que fez a masterização. Com exceção de alguns músicos, como Guy Pratt (baixista em algumas faixas, que viria a gravar o último álbum do PinkFloyd, The Division Bell), o álbum inteiro foi feito por esse pequeno grupo. Orzabal disse em algumas entrevistas que ele tinha uma obsessão muito grande em cada música que gravava, não descansando até que alcançasse a sonoridade desejada. Ele também relata que estava mais maduro e, de uma certa forma, diferente daquele Roland que havia acabado de sair da escola do primeiro álbum da banda.
                Na primeira música, “Elemental” já sentimos a riqueza da produção e dos timbres, com uma atmosfera de diversas camadas, que incluem além de guitarra, baixo e bateria, teclados e sintetizadores, inclusive com efeitos sonoros (o som de um elefante pode ser ouvido). Isso reflete também a experiência que Roland estava tendo podendo trabalhar em casa, explorando melhor o equipamento que possuía. A letra, mesmo com a mesma alma das antigas músicas, reflete um pensamento mais maduro, mais navalha, como na frase do refrão “Don’t say you’re up when you’re down/ It’s elemental”, que mostra mais dessa ideia que Roland queria trazer de que o mundo não é só maravilhas e feito apenas de conquistas e sucesso. Esse conceito é melhor ilustrado no grande hit do álbum, “Break it Down Again”, onde Orzabal descreve a beleza de cair e se levantar de novo e o quão isso é natural na vida. Outra coisa que é notada é a forte presença de guitarras, uma diferença considerável se analisarmos a quantidade de camadas que existe em relação aos álbuns anteriores, o que trouxe uma roupagem nova nesta música, coisa que o Tears for Fears sempre fez de álbum para álbum. O disco segue com “Cold”, com mais uma letra de desilusão, falando da dureza do eu-lírico em relação a corresponder ao amor, com belas camadas de vocais, um riff de baixo marcando o tempo, unindo-se a percussiva bateria e formando um interessante groove que mescla o comum ao exótico e mais sintetizadores e efeitos. “Break it Down Again”, como dito anteriormente, foi o hit do álbum, sendo lançado antes como single e atingindo um certo sucesso comercial, parte pela letra, parte pelo ritmo dançante, e aqui percebemos o gosto de Roland por usar timbres de corda, muitos dos quais ele mesmo tocou nos seus teclados.
                “Mr. Pessimist” traz quase que uma atmosfera eletrônica, carregada de teclados, com uma guitarra desfilando em frases cheia de efeitos, abrindo parte da música para um instrumental belo, destacando o solo de piano que encerra a faixa. “Dog’s a Best Friend’s Dog” traz uma pegada mais rock, com um riff de guitarra marcante, um órgão Hammond rasgando e um refrão fácil. Mais uma vez, a letra carrega a mensagem de “pé no chão”, em partes que em coro repetem “Some dreams you dream alone”, por exemplo. A mesma sentença serve para “Fish Out of Water” (quase que a mesma ideia em “You’re dreaming your life away”), que traz uma belíssima balada com uma bela cozinha de violão, bateria e baixo em um refrão marcante, assim como mais sintetizadores e pianos que criam o embalo da música. “Gas Giants” é um interlúdio eletrônico quase que instrumental para as três faixas finais do discos, que quase são uma sequência. “Power” é uma linda canção, com a letra falando alegoricamente sobre nossa sede de poder para garantir um futuro que está acontecendo no presente. Uma outra balada com refrão marcante, quase no mesmo estilo de “Fish Out of the Water”. Então vem “Brian Wilson Said”, uma homenagem que Roland fez para a grande mente por trás do Beach Boys, Brian Wilson, já que Orzabal diz que admira muito aqueles que inovam a música, principalmente se falando da música pop. Esta faixa lembra em alguns momentos Beatles (outra grande influência de Orzabal) e Beach Boys, e também tem seus momentos de jazz, como o belo solo de guitarra, acompanhada pelo piano. O disco então fecha com “Good Night Song”, uma linda balada coberta de guitarras e com uma bela cozinha “orquestral” do teclado, com uma letra que traz o incentivo de libertação, presente em tantas outras canções da banda, como a famosa Shout.
                Assim se encerra “Elemental”. Não foi um disco de grande sucesso como os anteriores, vendendo um pouco mais de meio milhão de copias e alcançando um bom lugar nas paradas dos países europeus, mas sem sombra de dúvidas ainda demonstra o poder do Tears for Fears de criar a boa música pop. Cada música parece ser um mundo diferente, devido a grande diversidade sonora, que inclui diferentes arranjos, ritmos e timbres e, ao mesmo tempo, seguindo uma linha, a linha dessa grande mente criativa que é Roland Orzabal. Mesmo sem seu grande parceiro, ele se mostrou capaz de lançar um disco a altura dos anteriores, superando-se ainda na questão da produção, que é realmente impressionante, ao pensar que esse disco foi gravado de forma independente.
                Se você está afim de ouvir algo de fácil audição e que faça você dançar, relaxar e ao mesmo tempo pensar, esse é um excelente disco. Recomendo todos os discos, e acredito que você já deve ter ouvido alguma música deles mas, tratando-se de Tears for Fears, cada disco é uma nova experiência. Segue a tracklist e o link para ouvir o álbum no YouTube:

7 – Gas Giants



Um grande abraço a todos e prometo que não demoro mais tanto para outra postagem! Boa audição!

Wednesday 25 September 2013

Nursery Cryme - O início do teatro-música do Genesis


Eu sou suspeito para falar sobre o Genesis. Na minha adolescência eu tinha uma certa compulsão pela banda, principalmente pela fase do Peter Gabriel. Minha família sempre ouviu Genesis, influência da popularidade da banda nos anos 80, mas meu pai e meu tio também gostavam muito da fase Peter Gabriel.  Eu só fui descobrir algo dessa época um belo dia em que abri o porta-luvas do carro do meu tio e me deparei com o “Genesis: Live” com aquela bela capa do momento ao vivo que eles tocam “Watcher of the Skies”, com Peter Gabriel em sua fantasia Batwings” e o belo azul de luzes no palco. A partir daquele momento, eu entrei de cabeça no mundo do Genesis, e o próximo álbum que eu encontrei foi justamente o “Nursery Cryme”.

O Genesis, um pouco antes da gravação deste álbum, passou por um sério período de transição. Anthony Phillips, que estava por trás de grande parte da sonoridade da banda no álbum anterior, “Trespass”, havia se retirado, pois ele tinha um grande “medo de palco” e seu médico recomendou que ele parasse com as apresentações e, após três bateristas diferentes, a banda também estava desfalcada nas baquetas. Peter Gabriel então insere um anuncio nos jornais a respeito do recrutamento de novos membros e neste momento entra Phil Collins na história do Genesis. Em contato com a bateria desde pequeno, Collins desenvolveu na adolescência mais seu lado ator, só em 1969 iniciando de fato sua carreira de músico, com o álbum “Ark 2” com a banda Flaming Youth, um álbum conceitual que pode ter um trecho seu ouvido aqui. A banda acaba depois de algumas tensões e pela falta de sucesso comercial. Collins consegue realizar um bom trabalho, gravando a percussão na faixa “The Art of Dying” de George Harrison, e é isso que também chama a atenção de seus futuros companheiros de banda. Realizada na casa dos pais de Gabriel, Collins nadava na piscina enquanto os demais candidatos faziam suas audições, decorando as partes das músicas. Na sua vez, ele realmente se mostra versátil e, nas palavras de Gabriel “Seu corpo e o kit da bateria possuíam uma relação incrível”. A banda também angariou o guitarrista Mick Barnard, com quem realizaram cerca de 30 shows entre o final de 70 e início de 71. Insatisfeitos com a performance de Barnard (principalmente Tony Banks, que era extremamente preocupado com a sonoridade da banda), eles voltam a procurar guitarrista e assim encontram o sr. Steve Hackett, que estava no Quiet World, que havia lançado apenas o álbum “The Road” (uma faixa do álbum pode ser ouvida clicando aqui).

Assim, estava feita a formação que atuaria nos próximos três discos: Peter Gabriel nos vocais, flautas e bumbo, Tony Banks no teclado e eventualmente no violão, Mike Rutherford no baixo e guitarra, Steve Hackett na guitarra solo e Phil Collins como segunda voz e bateria. Uma grande parte das músicas já estavam prontas em partes (“Musical Box” e “Fountain of Salmacis” possuíam partes já escritas anteriormente por Anthony Phillips). O Genesis encontra uma outra sonoridade, dando um passo para a escuridão de seu som, abandonando o que havia sido visto em “Trespass”, que possuía mais melodia alegres e uma temática menos densa. Vou expor aqui inicialmente o seguinte fato: “Nursery Cryme” não foi o álbum que levou o Genesis à explosão comercial, mas foi aquele que consolidou com certeza sua grande personalidade. O final dos anos 60 e o começo dos 70 foi uma época que fomentou muitas bandas do rock progressivo, muitas delas infelizmente parando em seu primeiro ou segundo álbum por não terem atingido sucesso comercial, pelos mais diversos motivos: falta de um bom empresário, tensões internas mas, muitas vezes, por falta de originalidade. E o Genesis com certeza tinha esse potencial para ser uma banda de personalidade.

Por que? Bem, comecemos pelo encarte deste álbum:


Nessa parte do encarte, observa-se a letra de “The Musical Box”, uma pequena história referente a ela e “Harold the Barrel”, que é escrita em forma de teatro. Esta é uma das belezas do Genesis. Começando por “The Musical Box”, você jamais conseguira entender o contexto da letra se você não ler a história no encarte (e no caso dela, não entenderá o conceito da capa também). A história da música é a respeito da irmã que, jogando críquete com seu irmão, mata ele removendo sua cabeça utilizando o bastão. Em um belo dia, ela encontra a caixa de música do irmão e abre, e assim começa a tocar “Old King Cole” juntamente com o surgimento do espirito dele, que aparece envelhecendo rapidamente. Assim, ele começa a ter desejo sexuais pela irmã e tenta a persuadir, mas então chega a enfermeira da família e arremessa longe a caixa musical, destruindo esta e o irmão. A história é refletida diretamente na letra e estrutura da música, que é dividida em atos explicitamente. A harmonia bonita e triste do começo carrega partes pesadas da letra, como “And the nurse will tell your lies/of a kingdom beyond the skyes/but I’m lost within this half-world/It hardly seems to matter now”, mostrando o confinamento do garoto em um mundo desconhecido. O final, por exemplo, é o irmão já velho, implorando por sexo: “Why don’t you touch me? Touch me now!”. Essa letra é inspirada na casa vitoriana que Gabriel viveu na infância e fala um pouco sobre a d
eturpação da magia da vida que a idade adulta nos trás. Na performance ao vivo, podemos observar a relação que a música de Genesis tinha com o teatro e como ela era interpretada por Gabriel da forma que trouxesse mais vida a letra possível, que pode ser observada no vídeo a seguir:

Outra ponto importante nesta primeira música é a mudança de sonoridade da banda. Steve Hackett trouxe guitarras mais densas e solos mais complexos, utilizando até mesmo a técnica de tapping, que não era nem um pouco comum na época. Phil Collins trouxe uma atmosfera percussiva para a bateria: observa-se linhas de chimbal nas partes mais baixas da música que criam um clima não existente nas músicas anteriores do Genesis. Além disso, há uma certa violência nas viradas que auxiliam a música a crescer nos devido momentos, como no momento antes de seu groove cavalgada, levando a música ao seu ápice e, é claro, seus bem encaixados backin’ vocals. Tony Banks traz um piano elétrico envenenado com um efeito overdrive, que cria uma segunda guitarra solo em alguns momentos, e órgãos que realizam um clima majestoso e emocionante ao final da música. Mike Rutherford introduz os pedais de baixo, tocando guitarra base nessa música, tanto no estúdio quanto ao vivo, e Peter Gabriel, mesmo confessando não gostar de tocar, usa a flauta em momentos que criam uma camada essencial à melodia. “The Musical Box” definitivamente é o cartão de visitas para um Genesis diferente, mais maduro e agressivo, conciso e poético.

For Absent Friends” é a primeira música que Phill Collins faz a voz principal, e que Steve Hackett desfila com suas habilidades em composições ao estilo violão clássico. Junto com “Harlequin”, são peças pequenas e bonitas, que formam importantes interlúdios no álbum. “The Return of the Giant Hogweed” começa com uma introdução em que Banks utiliza seu piano elétrico distorcido e Hackett um belo riff utilizando tapping. A letra é baseada em uma praga de plantas que aconteceu na Inglaterra, e Peter Gabriel transforma-as em monstros invadindo o país. A música é pesada (mais pesada ao vivo, particularmente), com um show de grooves e viradas de Phill Collins e uma linha incrível de baixo de Rutherford. Aliás, ele é perito nisso, na minha opinião: todas as músicas do Genesis possuem  linhas de baixo complexa e que falam por si só, e é estranho ver como Rutherford não é citado como referência de baixistas de rock...

Seven Stones” é uma excelente composição, onde a banda retoma um pouco daquelas harmonias iluminadas de “Trespass”, com destaques para os vocais harmonizados, hora Gabriel e Collins, hora corais, assim como o Mellotron, teclado que simula as cordas de uma orquestra, recém aquisição de Banks (comprado do King Crimson!). A letra carrega um conteúdo folclórico, contando a lenda de um velho marinheiro sobre sorte. A guitarra de Hackett aparece pesada, mas sob medida, criando um clima tenso nas horas certas. “Harold the Barrel”, traz a história de Harold, um homem que quer se suicidar. Nessa pequena peça, Peter Gabriel desfila com uma letra criticando a sociedade de forma trágica e cômica, mostrando as mesquinharias e os julgamentos feitos sobre um homem que só queria estar vivendo longe daquele lugar. Isso fica evidente no final da música: a sociedade grita “Nós podemos te ajudar! Somos todos seus amigos, se você descer e vier conversar conosco!” e Henry, no seu último momento de desilusão diz “Vocês devem estar brincando...” e pula, final trágico entoado pelos acordes tristes do piano. Essa é uma crítica que Gabriel vai repetir muito nos próximos álbuns: críticas à sociedade britânica antiga, mas querendo atingir a contemporânea, através de alegorias criadas num cenário inusitado.

O álbum se encerra com “The Fountain of Salmacis” que conta de Hermaphroditus (personagem de ambos os sexos da mitologia grega que gerou o termo “hermafrodita”) e a ninfa Salmacis, que se une forçadamente à Hermaphroditus, insinuando um estupro, fazendo assim os dois se tornarem um só.  Uma referência à mitologia grega, essa música é mais no tom de poesia, sem nenhuma analogia evidente (apesar de que, se tratando de Gabriel, sempre existe alguma coisa por trás). Com um instrumental complexo, cheio de difíceis passagens e dinâmicas, a banda mostra todo seu entrosamento que viria a resultar na química para os próximos álbuns: linhas de vocais indispensáveis, grooves e viradas swingadas, o Mellotron e o órgão com camadas engrandecedoras, a guitarra falando baixo quando preciso, gritando em solos tocantes, principalmente ao final da música e o baixo, como eu já disse, um show à parte.

Nursery Cryme” não teve a melhor das recepções na época. A Rolling Stones disse que o problema era na produção, e eu concordo em partes: existiam músicas que ficavam muito mais poderosas ao vivo. Mas isso também pesava pelas performances teatrais que o Genesis realizava, o que com certeza dava mais vida pra música. Independente disso, esse álbum era o primeiro passo da história dessa grande banda para uma nova fase musical, que marcou uma era da música mundial e uma geração toda, e continua marcando até hoje. A audição desse álbum é rápida: se você já conhece o conceito de rock progressivo, será mais rápida ainda. Aconselho que as letras sejam acompanhadas em uma segunda audição e, por favor: assistam performances ao vivo dessa época, e assim dá pra se entender a grande essência da música do Genesis!

Segue o tracklist e o link para ouvir no YouTube:

1 – The Musical Box
2 – For Absent Friends



Um abraço e até a próxima, tenham uma boa experiência! 

Tuesday 24 September 2013

Hallo, amigos!

Hoje, realizei algumas mudanças nas postagens anteriores que serão padronizadas para as próximas: todos os nomes referentes a um artista, álbum ou nome técnico (técnica musical) terá um hiperlink que abrira sua respectiva referência. Eu inseri a referência do Wikipedia em inglês, pois acho as mais completas e mais simples de se ler, caso prefiram em português, por favor avisem!

Também há links nas músicas que correspondem as suas traduções. Algumas delas não são boas traduções, mas dá para se ter uma noção se você domina um pouco de inglês, pois a original estará do lado.
Esperem que gostem dessa novidade! Agradeço meu amigo Tixa pela construção dela

Obrigado e tenham uma boa noite, amanhã tem postagem nova!


Monday 23 September 2013

Discipline - Um novo conceito de música


Falar de King Crimson é complicado, por ser uma banda que tem diversas fases em sua discografia. Pretendo ainda postar outras resenhas de seus discos, então não vou me ater muito ao histórico de cada integrante de formações anteriores. Resolvi começar pelo “Discipline” por ele ser o começo de uma nova era do KC após um longo hiato, onde cada um de seus integrantes da última formação (que registrou “Red”) estava em um projeto completamente diferente, e é isso que faz com que o King Crimson seja tão rico musicalmente: a vasta bagagem musical de seus integrantes, combinadas da forma mais original possível.

Em 1981, Robert Fripp, guitarrista e fundador do KC, tinha a ideia de montar um grupo que fosse mais ambicioso musicalmente e comercialmente falando, pois ele estava no The League of the Gentlemen, que é uma excelente banda, porem de difícil audição, considerando a cultura pop da época, que estava entrando na era do New Wave. Ele havia tido experiências musicais no pop com grandes nomes, como David Bowie e Peter Gabriel. Após entrar em contato com Bruford (baterista dos últimos três álbuns do KC antes do hiato) a respeito de um novo projeto, ele vai atrás de Adrian Belew, que Fripp havia conhecido quando ele fez as aberturas do The League of the Gentlemen com sua banda GaGa. Adrian Belew foi descoberto por nada menos que Frank Zappa, que havia achado curioso como ele conseguia realizar os mais diversos sons em sua guitarra (mosquito, elefante, ambulância e por aí vai) e esse então excursionou com ele, onde atuava mais como guitarra base e cantor de poucas músicas, além de ter gravado o magnífico “Sheik Yerbouti”. É dada a hora de escolher um baixista. Após uma curta audição, com três baixistas, eis que Fripp aparece com Tony Levin, em que ele havia tido contato nas gravações de Peter Gabriel. Esse dispensa comentários: o que falar do cara que colaborou em mais de 500 álbuns, dentre estes artistas como Pink Floyd, John Lennon, Dire Straits, Buddy Rich, dentre outros grandes nomes?

Feito a formação, a banda voa para a Inglaterra e começa a escrever as músicas e a ensaiar. O que temos nesse momento é o seguinte: Fripp com seus sintetizadores e seu Frippertronics, que era a técnica de looping (repetição) onde uma faixa era gravada na fita e se repetia, enquanto outras faixas eram gravadas e assim reproduzidas simultaneamente que, unidas ao sintetizador, criavam uma ambiência fantástica. Fripp já vinha usando essas novas técnicas com quem ele trabalhou nesta época, mas principalmente com Brian Eno. Bill Bruford estava com novas ideias de experimentação, que incluíam o uso da bateria eletrônica e o não uso direto do chimbal como forma de condução, usando os tons e o prato de condução. Além disso, ele ainda incorporou elementos de percussão, ideia que vinha desde a gravação de “Lark’s Tongue in Aspic” com o percussionista Jamie Muir. Adrian Belew estava trabalhando e excursionando com o Talking Heads, e talvez foi o que mais teve inspiração e contato direto com o New Wave/World Music, principalmente tratando-se de David Byrne, líder do Talking Heads. Tony Levin também havia trabalhado com Peter Gabriel e estava repleto de influência da World Music. Mas ele talvez foi o que trouxe a contribuição mais excêntrica para a sonoridade desse álbum, o chamado Chapman Stick:


O Chapman Stick combina guitarra com baixo, e geralmente é tocado com a técnica de tapping, ou seja, pressionar as cordas com os dedos, e no caso do Levin utilizando as duas mãos, uma para a parte do baixo e outra para a parte da guitarra. Isso abre um caminho diferente de harmonização, em que os quatro souberam explorar muito bem.

Logo já se vê na primeira música “Elephant Talk”: o inicio dela é justamente um riff de Levin no chapstick. E nesta faixa, já somos introduzidos ao que viria a ser o novo som do King Crimson pelos próximos dois álbuns, e que podemos chamar de um novo conceito de música: Bruford inicia uma condução que lembra alguma coisa dos paradiddles do funk, a guitarra de Belew com acordes alavancados, imitando o som de um elefante em alguns momentos, Fripp em arpeggios repetitivos e hipnotizantes, usando de seu sintetizador em um solo que poderia ser definido como “a voz de um mosquito” e Levin completando a cozinha complexa da música, e quando digo complexa não me refiro ao número de notas, mas sim a contrapontos e notas que criam uma harmonia percussiva na música. A letra cantada por Belew não é nada parecida com as anteriores do KC: é uma letra mais simples, mais descarada, mais moderna.
Talk/ it’s only talk/ Arguments/ Agreements/ Advice/ Answers” e assim continua Belew nas estrofes subsequentes, utilizando as próximas três letras do alfabeto para iniciar todas as palavras relacionadas a comunicação. Isso acontece com todas as letras deste álbum: são espécie de poesias modernas, com temas mais urbanos, sem muito nexo. A questão fica mais evidente em “Thela Hun Ginjeet” que é um anagrama para “heat in the jungle”, onde boa parte da letra consiste na gravação de um relato de Belew a respeito de uma gangue e um policial que o abordaram e em “Indiscipline” que é baseada numa carta que Belew enviou para a esposa a respeito de uma escultura que ela havia feito. Isso mostra uma total quebra com o passado, onde a preocupação com letra foi tão grande que já chegou a haver um membro só para escreve-las.

Seguindo com as músicas, ouvimos a bela “Frame By Frame”. Frenética, tem uma levada violenta nos tons, acompanhado por impactos graves no Chapman stick, mais arpeggios de Fripp e uma guitarra carregada de efeitos e trejeitos de Belew. Um ponto interessante que deve ser observado nessa música é quando Belew e Fripp estão tocando em alguns momentos juntos, praticamente a mesma frase mas em tempos distintos (um no contratempo do outro). Isso cria um efeito hipnótico e uma linha rítmica muito interessante que vai permanecer no King Crimson até o seu último álbum lançado, “A Power to Believe”. No final dela, essa característica fica bem nítida, e quando há a dobra de tempo de uma das guitarras, você percebe o quão esse efeito é fantástico. Em “Thela Hun Ginjeet”, Fripp executa um riff em 7/8, enquanto a banda inteira toca em 4/4, criando um efeito rítmico único. Nessa música, percebemos o quão pode-se ir longe ao criar ambiências com as guitarras, em momentos em que Belew realiza uma espécie de percussão com harmônicos abafados e delays, assim como quando extravasa o uso da alavanca, e Fripp usando e abusando de seus efeitos, seja nos solos ou nas bases. Na bela “Matte Kudasai”, Belew usa a guitarra em slides, unidos ao delay e ao uso do botão de volume, criando em certas horas uma atmosfera que nos dá a sensação de flutuar no ar e em outras o barulho de gaivotas! A linda melodia de vocal de Belew completam o clima tranquilo da música. Em “Indiscipline”, é o momento de Bill Bruford se libertar de ritmos únicos e realizar uma espécie de improviso, com diversas hemiolas, principalmente quando executa ao vivo.

As instrumentais fecham o disco com maestria. “The Sheltering Sky” é registrada com Belew fazendo a base e Fripp passeando com o Frippertronics e sintetizadores. Vale destacar o uso da Slit Drum por Bill Bruford, uma espécie de caixa percussiva que é utilizada mais na percussão africana, incorporação que caracteriza a World Music. Este é um elemento essencial na música, criando cozinha ideal para que houvesse o realce das belas guitarras de Fripp. “Discipline” é uma faixa que poderia ser definida como “hipnose musical”. Com o excesso de repetição de riffs, as guitarras tocando arpeggios diferentes em tempos diferentes com o mesmo timbre, a bateria percussiva e o chapman stick em frases complexas, que enganam os ouvidos por vezes se estão usando ou não a sua parte guitarra, temos uma música que cria um estado de ritmo arrítmico, de conforto que incomoda, uma hipnose consciente regada a curiosidade de imaginar como esta música está sendo executada.

Este álbum pode ser definido com o estranho rotulo de New World Wave Music complexa. Não é música para dançar, mas também não é música para relaxar. O título,” Discipline” exprime a técnica e concentração dos músicos do KC ao executarem composições tão complexas, e ao mesmo tempo vai de desencontro com o que o álbum reproduz: desconstrução, rompimento com o som tradicional da banda, inconstância. A primeira audição de “Discipline” será confusa: você pode não conseguir ouvir a obra como um conjunto, prendendo-se a guitarra histérica de Belew, perdendo-se no ritmo hipnótico de Bruford. Mas tenho quase certeza que a vontade que você vai ter ao acabar a audição é querer ouvir de novo, e de novo, afinal: “I repeat myself when I’m under stress”! Quando finalmente você se acostumar e conseguir enxergar o conjunto da obra, tenho certeza que “Discipline” será um álbum para toda a vida. E é por isso que tentei em meu texto explicar ao máximo os detalhes técnicos de cada música: deixe que flua na primeira vez, e então volte a lê-los (principalmente se você é musico e se interessa por novos conceitos).

Espero não ter prolongado demais o texto. É extremamente difícil escrever a respeito de um dos álbuns mais fascinantes da carreira do King Crimson e com certeza um importante marco na música mundial. Segue agora a tracklist e o link para audição do álbum:




Abraços e tenham uma boa experiência!

The Inner Mounting Flame - O filho ácido de Miles Davis



Para falar de Mahavishnu Orchestra, temos que falar de Miles Davis. O grande gênio do jazz estava em mais uma fase de se reinventar. Após o polêmico “In a Silent Way”, onde Davis havia começado com sua experimentação que daria origem ao jazz-fusion e onde havia conhecido o jovem John McLaughlin, ele resolve fazer “uma puta banda de rock and roll” para o seu próximo álbum, que é nada mais nada menos que “Bitchies Brew”. Para isso, ele convoca novamente um time de peso, que inclui Wayne Shorter e Joe Zawinul (que viriam a formar o Weather Report, um dos maiores expoentes do jazz-fusion), Chick Corea (que viria a fundar o Return to Forever, outro grande expoente do jazz-fusion) e finalmente John MacLaughlin e Billy Cobham, que a partir dessa encontro se uniriam para fundar o Mahavishnu Orchestra.

(Curiosidade: um dos músicos também é o Sr. Airto Moreira, do Brasil! Ele participaria também futuramente no Return To Forever)

Mas o que é mais importante no “Bitchies Brew” além do encontro dos músicos fundadores? Tudo. Esse álbum foi a extravagancia máxima de Miles Davis, foi uma quebra total de tradição no jazz. Algumas músicas deste álbum simplesmente não foram ensaiadas, só havia algum tom, e podia-se ouvir algumas vezes estalos de dedos guiando o tempo, assim como comandos de voz de Davis para indicar quem ia solar em determinado momento. A guitarra elétrica, os pianos elétricos, as inconstâncias do trompete de Miles Davis, tudo em uma conjuntura de experimentalismo nunca até então registrada desta maneira. Isso vinha em conjuntura com o desejo dele de se atualizar com os outros movimentos, como podemos ver na cena da Inglaterra, onde o Pink Floyd e o jovem King Crimson usavam do experimentalismo dentro do rock, criando o que viria a ser o rock progressivo. Deste álbum surgiu o jazz-fusion, alguma semente do funk e com certeza muitas outras coisas muito além do seu tempo, como por exemplo “OK Computer”, do Radiohead, em que ThomYorke disse ter ouvido bastante “Bitchies Brew” antes de compô-lo.

Dessa maneira, John MacLaughlin e Billy Cobham haviam experimentado essa ruptura com as barreiras tradicionais do jazz na forma mais crua possível. John MacLaughlin fomentou então uma banda que contivesse instrumentistas de diversas partes do mundo, para assim mesclar os mais diversos ritmos possíveis. Essa ideia sua já era algo pré-concebido por sua influência da música indiana, através de seu estudos com o guru Sri Chinmoy, que inclusive encorajou o nome da banda (“Mahavishnu” significa “Compaixão divina, poder e justiça”). Assim, a banda contava com McLaughlin que era inglês, Billy Cobham que era do Panama, o tecladista Jan Hammer da República Tcheca, o violinista Jerry Goodman de Chicago e o baixista Rick Laird da Irlanda.

A primeira audição de “The Inner Mounting Flame” quase certamente não será agradável. A primeira faixa “Meeting of the Spirits” já é uma violência extrema. A harmonia agride, a velocidade das notas de Billy Cobham agride, a guitarra e o violino frenéticos em solos conjuntos agride, tudo isso leva a pensar em um encontro de espíritos que beira uma disputa pela saída do Purgatório. Os momentos e volumes se alternam, mas a tensão é constante. O que levaria, então, ao renomado guitarrista Steve Vai a dizer sobre essa música “Cada músico é fenomenal e esta peça tem fluxos e refluxos, levanta-se e explode com ameaçador aura metafísica? Então você vai para a segunda faixa, “Dawn” e aqui encontramos uma leve batida 7/4, e assim os instrumentos vão entrando novamente, o violino e a guitarra vão se tornando frenéticos e mais uma vez a música explode. Você passa para a faixa três, e logo é recebido por um groove funk frenético e...a ficha cai. Sim, o som do Mahavishnu Orchestra é agressivo, é o chamado de acid jazz, e quando se diz acid, não se está referindo ao ácido lisérgico, mas sim ao sentido de efervescência, de corrosão, de amargo na garganta. Os únicos momentos que são mais calmos são os das faixas “A Lotus On Irish Stream” e “You Know You Know”, mas quando digo mais calmos, se refere a ausência de rápidos andamentos, de um beat agressivo, mas ainda sim ouvimos a fúria, como um vento trespassando os campos e quase arrancando a lótus do solo em alguns momentos de “A Lotus On Irish Stream”. A mescla de dissonância e blues clássico em “The Dance of Maya”, com a retomada inesperada de seu tema inicial quando ainda o blues prevalece mostra a capacidade que esses músicos tinham de ter domínio sobre os diversos ritmos, e assim utilizar isto nestas geniais composições.

The Inner Mounting of Flame” exprime toda a técnica e transcendência que esses espetaculares músicos tinham naquele momento. Podemos ainda observar que certas músicas lembram mantras, mas mantras explosivos, que não remetem a meditação, e sim a libertação violenta de uma alma frustrada pelo mundo moderno. A primeira audição desses disco, assim como seus sucessores, assusta, incomoda. Mahavishnu Orchestra não é uma banda para se ouvir todos dias, mas ela cai como uma luva nos dias em que precisamos extravasar todos os sentimentos confinados pela rotina. Abra sua mente, prepare os ouvidos, ponha pra tocar em um bom som e sinta a vontade de aumentar o volume a cada música. Se você estiver no dia certo, terá uma ótima experiência!

Segue a tracklist e o link para acessar o álbum no Youtube (infelizmente, não se encontra todas as músicas do álbum neste link):

1- Meeting of the Spirits
2- Dawn
3- The Noonward Race
4- A Lotus on Irish Streams
5- Vital Transformation
6- The Dance of Maya
7- You Know You Know
8- Awakening


Um grande abraço e até a próxima!

Sunday 22 September 2013

Script for a Jester's Tear - O primeiro passo do Marillion, um grande passo no rock progressivo



Primeiro disco da carreira do Marillion, primeiro disco que eu ouvi deles. O Marillion é uma banda marcante para mim, foi a banda que marcou uma parte da minha adolescência, era a banda que eu ouvia naqueles momentos fossas sem muita razão que se tem quando você tem uns 13 anos. Mas, além disso, o Marillion é uma banda marcante para a minha família. Meu tio mais velho comprou o disco assim que lançou no Brasil, o que eu acredito que tenha sido por volta de 84, e foi uma paixão à primeira vista. Meu pai e meu tio mais novo também se apaixonaram pela banda, e assim divulgaram para muitos dos amigos. Infelizmente, o Marillion não se tornou tão conhecido no Brasil, e só veio à tona quando, em 1990, quando já tinha Steve Hogarth nos vocais, veio para o Hollywood Rock e fez um excelente show. Tive o prazer também de testemunhar um show deles em outubro do ano passado, em São Paulo, e posso dizer de boca cheia que o Marillion é um dos gigantes do rock progressivo que estão mais em forma na atualidade e podem ainda nos promover muitas surpresas...

O ano era de 1983. As grandes bandas do rock progressivo, que surgiram no final da década de 60, início da década de 70, passavam por uma fase de mudança quase que extrema de sonoridade. O Yes iria lançar o “90125”, um expoente da música pop/wave da época, que era decorrido de uma nova formação do grande expoente do rock progressivo dos anos 70. O Genesis consolidava uma sonoridade pop que vinha mais fortemente desde “Abacab” no álbum homônimo “Genesis”, que tinha hits como “That’s All” e “Mama”. O movimento punk na Inglaterra havia desviado toda a atenção dos jovens, que agora procuravam músicas rápidas, agressivas, com cunho político de revolta. O wave dominava as rádios, até as bandas mais hard rock do progressivo, como o Rush, haviam alterado a sonoridade para “algo mais simplificado”.

Acontece que, desde 1979, o Marillion (que se chamava Silmarillion, referente ao livro de J. R. R. Tolkien, mas teve que mudar justamente por causa de direitos autorais) vinha tentando solidificar uma formação, até que em 1982 eles lançaram o single “Market Square Heroes”, que teve uma certa repercussão na cena, e já contava com a formação do álbum debutante: Fish nos vocais, Steve Rothery na guitarra, Mark Kelly nos teclados, Pete Trewavas no baixo e Mick Pointer na bateria. A produção ficou por conta de David Hitchcock, o mesmo produtor do maravilhoso “Foxtrot” do Genesis, que iria produzir o primeiro álbum, porém acabou sofrendo um grave acidente, que deixou a produção NickTauber, produtor de alguns álbuns do Thin Lizzy.

Em 1983, é lançado então o primeiro álbum, “Script for a Jester’s Tear”, cuja capa e contracapa era essa:


Como vocês podem ver, a capa diz muito sobre o conteúdo do álbum: um conteúdo sombrio, melancólico, um artista frustrado em seu quarto que gostaria de expor todos os seus sentimentos através da música. A primeira faixa, que é a homônima ao álbum, inicia-se com longos acordes de pianos, e é uma ótima faixa para exemplificar o rock progressivo contido nesse disco. Existe toda uma dinâmica, que por vezes notamos ser espécie de atos dentro da “Script for a Jester’s Tear”. A ambientação criada por Mark Kelly, unida aos clássicos riffs dedilhados de Steve Rothery, cria cenários para as diferentes estrofes/momentos das música. Logo se nota o baixo marcante de Pete Trewavas, sempre com um timbre mais ativo, criando frases totalmente harmônicas e visíveis dentro das músicas do Marillion. Vale ressaltar também as linhas de Mick Pointer, que viriam a ser uma base para o futuro batera Ian Mosley, completando a excelente cozinha que o Marillion tem, sempre com as viradas sendo acompanhada pelo baixo e os ritmos quebrados que dão toques únicos as suas músicas.

Mas querendo ou não, a grande estrela desse álbum é o Fish. Todas as músicas eram construídas em cima de suas poesias, que eram repletas de alegorias e carregavam temáticas pesadas, com certo conteúdo crítico. Exemplos disso podem ser dados com “He Knows, You Know” que trata-se do vício das drogas, mais especificamente da heroína, como pode-se ver no trecho “Light switch, yellow fever, crawling up your bathroom wall/Singing psychedelic praises to the depths of a China bowl/
You've got venom in your stomach, you've got poison in your head
”, a bela “Chelsea Monday”, que fala sobre a vida de uma prostituta, seus sonhos, frustações e a morte tão banalizada e desumanizada e “Forgotten Sons” , que fala sobre a guerra e os jovens envolvidos nela, essa relação do Estado com o controle sobre a decisão desses jovens e como a família deles agem perante a isso.

Fish foi muito lembrado como Peter Gabriel, vocalista do Genesis, tanto no jeito de cantar quanto pelas letras complexas e alegóricas. Fish chegou a confessar que “Grendel”, um épico lançado no single “Market Square Heroes”, é a “Supper’s Ready” do Marillion, referindo-se ao clássico épico do álbum “Foxtrot” do Genesis. A verdade é que muita coisa da sonoridade desse álbum remete ao rock progressivo clássico: os riffs de sintetizador de “He Knows You Know” lembram muito, por exemplo, “Firth of Fifth” do Genesis, assim como os solos de Steve Rothery, onde percebemos uma grande influência de Daivid Gilmour. Aliás, neste primeiro álbum, o Rothery era extremamente limitado tecnicamente. Todos os solos são simples, porém extremamente harmoniosos, mas ele mesmo confessa que entrou em um estudo intensivo quando ingressou no Marillion, e podemos ver extremas diferenças nos solos, por exemplo, do quarto disco da banda “Clutching at Straws”, onde existe ainda o mesmo feeling, porem com muito mais exploração de técnicas.

Vemos no álbum um extremo bom gosto para arranjos e dinâmicas, todas as seis músicas parecem um pequeno mundo, cada uma com seus atos e suas temáticas. Para quem não gostar muito da sonoridade do álbum de estúdio em si, recomendo que assistam o “Recital of the Script” um DVD de um fantástico show de 83 onde o álbum é executado inteiro e ainda conta com a execução dos singles “Market Square Heroes” e "Grendel". Nele, podemos ver também a teatralidade que Fish colocava em sua performance ao vivo, remetendo mais uma vez ao mestre Peter Gabriel.

Este álbum é extremamente recomendado para os fãs de rock progressivo e para as pessoas que gostam de músicas com boas letras. Se você gosta também de “rock com teclados” não vai se arrepender, arrisco dizer que Mark Kelly é um dos tecladistas do rock com mais bom gosto para timbres.

Espero que gostem! Segue o tracklist do álbum e um link para ouvir no YouTube



Saudações!

Saudações!

Esta é minha primeira postagem no blog Disco-berta. A intenção desse blog é apresentar bandas através de uma breve resenha de algum disco de sua carreira, mas ir um pouco além disso: contextualizar o leitor na cena musical da época do disco, assim como o contexto dentro da discografia da banda, para assim podermos analisar de uma forma abrangente o tipo de música que encontramos dentro da obra de arte. Isso tudo expressando minha opinião, sem generalizações, sem rótulos, simplesmente um texto para despertar a curiosidade do leitor pela banda/disco e consequentemente para a música como um todo.

 Com o grande acesso a mídia musical que se tem hoje com a internet, muitas pessoas perderam o hábito de conhecer o artista e, quando aponto esse desconhecimento, refiro-me ao desconhecimento da obra do artista em si. Qual é a obra de arte, o quadro, a escultura, a expressão de uma banda? Sem dúvidas, abrange uma série de coisas, mas coloco aqui como o disco. Também chamado álbum, o disco simboliza o trabalho de dias, meses e por vezes anos de uma banda, assim como uma pintura e uma escultura. E o que isso significa? Tudo! Pode ser pela motivação comercial, espiritual, lisérgica, revolucionaria, ali está toda a expressão artística de um grupo de pessoas que, unidas, expressam sua vida, seus sentimentos, seus pensamentos, tudo canalizado em um conjunto de músicas, que varia até mesmo de uma música (como “A Passion Play”, de Jethro Tull), até por exemplo 28 músicas (“Scum”, do Napalm Death). Mesmo hoje em dia, com as mais diversas maneiras de se obter faixas separadas, os artistas ainda permanecem produzindo o formato “álbum”, mesmo que esse seja apenas distribuído digitalmente. Isso sinaliza a importância desse formato para a expressão do artista.
Mas já que o álbum geralmente reúne cerca de 12 músicas, porque não é melhor simplesmente ouvir uma coletânea da banda ou baixar cerca de 10 hits e assim dizer “eu conheço tal banda”? Porque você está simplesmente ignorando uma história de vida. Acontece que muitas vezes os hits de uma banda pertencem a uma fase da discografia que simplesmente não condiz com a identidade dela ou mesmo representa apenas um período curto de anos de carreira. Se você conhecer ouvir o Genesis de “Nursery Cryme” e ouvir o Genesis de “Invisible Touch” sem conhecer a história da banda e o contexto de cada um desses álbuns, você quase certamente dirá que são duas bandas diferentes. E pode ter certeza: se você for atrás dos hits do Genesis, você quase não ouvirá (isso se ouvir) músicas da era Peter Gabriel, e assim estará desprezando uma grande parte das obras primas dessa grandiosa banda.

O que quero dizer com tudo isso é que, hoje em dia, devido a promiscuidade de troca de informação e a rotina acelerada em que vivemos, o que acontece é que as pessoas simplesmente fazem o seguinte: ouve o nome do artista, baixa cerca de três ou quatro faixas, se achar interessante baixa mais algumas faixas, talvez um álbum ou uma coletânea e por ai fica. Quem vai um pouco mais longe baixa a discografia, ouve um disco ou outro quando está sentado no computador pra fazer outra atividade além de ouvir música e por ai fica também. Isso, na minha opinião, não é conhecer o artista. Numa era em que beira-se o fim da mídia física, onde artistas precisam fazer turnês imensas e ampliar seu merchandising para conseguir sobreviver, eu acredito que numa era como essa devemos tentar valorizar ao máximo sentimentalmente o que aquele artista faz. A arte só consegue ser compreendida através da contemplação, da análise do contexto social, da história de vida pessoal, do olhar profundo e crítico. Se você não pode comprar o disco do artista que você gosta, ao menos tente valoriza-lo, e entender o que se passa na cabeça daquele que está diante de você em um palco, ou nos seus ouvidos em momentos íntimos, ou aquele que alegra um dia triste nos primeiros acordes radiofônicos...

O que quero trazer aqui é justamente esse pedaço maior dos artistas que marcam minha vida. Essa é minha humilde retribuição a eles, e eu sinceramente espero que eu consiga espalhar um pouco todos esses bons sentimentos que eles me trouxeram a outras pessoas.

Um ótimo domingo a todos, e hoje mesmo tem a primeira postagem.

Abraços,


Augusto V. L.