Falar de
King Crimson é complicado, por ser uma banda que tem diversas fases em sua
discografia. Pretendo ainda postar outras resenhas de seus discos, então não vou
me ater muito ao histórico de cada integrante de formações anteriores. Resolvi começar
pelo “Discipline” por ele ser o começo
de uma nova era do KC após um longo hiato, onde cada um de seus integrantes da
última formação (que registrou “Red”)
estava em um projeto completamente diferente, e é isso que faz com que o King
Crimson seja tão rico musicalmente: a vasta bagagem musical de seus
integrantes, combinadas da forma mais original possível.
Em 1981, Robert Fripp, guitarrista e fundador do KC, tinha a ideia de montar um grupo que
fosse mais ambicioso musicalmente e comercialmente falando, pois ele estava no
The League of the Gentlemen, que é uma excelente banda, porem de difícil audição,
considerando a cultura pop da época, que estava entrando na era do New Wave.
Ele havia tido experiências musicais no pop com grandes nomes, como David Bowie e Peter Gabriel. Após entrar em contato com Bruford (baterista dos últimos três
álbuns do KC antes do hiato) a respeito de um novo projeto, ele vai atrás de
Adrian Belew, que Fripp havia conhecido quando ele fez as aberturas do The
League of the Gentlemen com sua banda GaGa. Adrian Belew foi descoberto por
nada menos que Frank Zappa, que havia achado curioso como ele conseguia realizar
os mais diversos sons em sua guitarra (mosquito, elefante, ambulância e por aí vai) e esse então excursionou com ele, onde atuava mais como guitarra base e
cantor de poucas músicas, além de ter gravado o magnífico “Sheik Yerbouti”. É dada a hora de escolher um baixista. Após uma
curta audição, com três baixistas, eis que Fripp aparece com Tony Levin, em que
ele havia tido contato nas gravações de Peter Gabriel. Esse dispensa comentários:
o que falar do cara que colaborou em mais de 500 álbuns, dentre estes artistas
como Pink Floyd, John Lennon, Dire Straits, Buddy Rich, dentre outros grandes
nomes?
Feito a formação,
a banda voa para a Inglaterra e começa a escrever as músicas e a ensaiar. O que
temos nesse momento é o seguinte: Fripp com seus sintetizadores e seu Frippertronics, que era a técnica de looping (repetição) onde uma faixa era
gravada na fita e se repetia, enquanto outras faixas eram gravadas e assim
reproduzidas simultaneamente que, unidas ao sintetizador, criavam uma ambiência
fantástica. Fripp já vinha usando essas novas técnicas com quem ele trabalhou nesta
época, mas principalmente com Brian Eno. Bill Bruford estava com novas ideias
de experimentação, que incluíam o uso da bateria eletrônica e o não uso direto
do chimbal como forma de condução, usando os tons e o prato de condução. Além
disso, ele ainda incorporou elementos de percussão, ideia que vinha desde a gravação
de “Lark’s Tongue in Aspic” com o
percussionista Jamie Muir. Adrian Belew estava trabalhando e excursionando com
o Talking Heads, e talvez foi o que mais teve inspiração e contato direto com o
New Wave/World Music, principalmente tratando-se de David Byrne, líder do
Talking Heads. Tony Levin também havia trabalhado com Peter Gabriel e estava
repleto de influência da World Music. Mas ele talvez foi o que trouxe a contribuição
mais excêntrica para a sonoridade desse álbum, o chamado Chapman Stick:
O Chapman
Stick combina guitarra com baixo, e geralmente é tocado com a técnica de tapping, ou seja, pressionar as cordas
com os dedos, e no caso do Levin utilizando as duas mãos, uma para a parte do
baixo e outra para a parte da guitarra. Isso abre um caminho diferente de harmonização,
em que os quatro souberam explorar muito bem.
Logo já se vê na primeira música “Elephant Talk”: o inicio dela é justamente um riff de Levin no chapstick. E nesta faixa, já somos introduzidos ao que viria a ser o novo som do King Crimson pelos próximos dois álbuns, e que podemos chamar de um novo conceito de música: Bruford inicia uma condução que lembra alguma coisa dos paradiddles do funk, a guitarra de Belew com acordes alavancados, imitando o som de um elefante em alguns momentos, Fripp em arpeggios repetitivos e hipnotizantes, usando de seu sintetizador em um solo que poderia ser definido como “a voz de um mosquito” e Levin completando a cozinha complexa da música, e quando digo complexa não me refiro ao número de notas, mas sim a contrapontos e notas que criam uma harmonia percussiva na música. A letra cantada por Belew não é nada parecida com as anteriores do KC: é uma letra mais simples, mais descarada, mais moderna. “Talk/ it’s only talk/ Arguments/ Agreements/ Advice/ Answers” e assim continua Belew nas estrofes subsequentes, utilizando as próximas três letras do alfabeto para iniciar todas as palavras relacionadas a comunicação. Isso acontece com todas as letras deste álbum: são espécie de poesias modernas, com temas mais urbanos, sem muito nexo. A questão fica mais evidente em “Thela Hun Ginjeet” que é um anagrama para “heat in the jungle”, onde boa parte da letra consiste na gravação de um relato de Belew a respeito de uma gangue e um policial que o abordaram e em “Indiscipline” que é baseada numa carta que Belew enviou para a esposa a respeito de uma escultura que ela havia feito. Isso mostra uma total quebra com o passado, onde a preocupação com letra foi tão grande que já chegou a haver um membro só para escreve-las.
Logo já se vê na primeira música “Elephant Talk”: o inicio dela é justamente um riff de Levin no chapstick. E nesta faixa, já somos introduzidos ao que viria a ser o novo som do King Crimson pelos próximos dois álbuns, e que podemos chamar de um novo conceito de música: Bruford inicia uma condução que lembra alguma coisa dos paradiddles do funk, a guitarra de Belew com acordes alavancados, imitando o som de um elefante em alguns momentos, Fripp em arpeggios repetitivos e hipnotizantes, usando de seu sintetizador em um solo que poderia ser definido como “a voz de um mosquito” e Levin completando a cozinha complexa da música, e quando digo complexa não me refiro ao número de notas, mas sim a contrapontos e notas que criam uma harmonia percussiva na música. A letra cantada por Belew não é nada parecida com as anteriores do KC: é uma letra mais simples, mais descarada, mais moderna. “Talk/ it’s only talk/ Arguments/ Agreements/ Advice/ Answers” e assim continua Belew nas estrofes subsequentes, utilizando as próximas três letras do alfabeto para iniciar todas as palavras relacionadas a comunicação. Isso acontece com todas as letras deste álbum: são espécie de poesias modernas, com temas mais urbanos, sem muito nexo. A questão fica mais evidente em “Thela Hun Ginjeet” que é um anagrama para “heat in the jungle”, onde boa parte da letra consiste na gravação de um relato de Belew a respeito de uma gangue e um policial que o abordaram e em “Indiscipline” que é baseada numa carta que Belew enviou para a esposa a respeito de uma escultura que ela havia feito. Isso mostra uma total quebra com o passado, onde a preocupação com letra foi tão grande que já chegou a haver um membro só para escreve-las.
Seguindo
com as músicas, ouvimos a bela “Frame By
Frame”. Frenética, tem uma levada violenta nos tons, acompanhado por
impactos graves no Chapman stick, mais
arpeggios de Fripp e uma guitarra
carregada de efeitos e trejeitos de Belew. Um ponto interessante que deve ser
observado nessa música é quando Belew e Fripp estão tocando em alguns momentos
juntos, praticamente a mesma frase mas em tempos distintos (um no contratempo
do outro). Isso cria um efeito hipnótico e uma linha rítmica muito interessante
que vai permanecer no King Crimson até o seu último álbum lançado, “A Power to Believe”. No final dela, essa
característica fica bem nítida, e quando há a dobra de tempo de uma das
guitarras, você percebe o quão esse efeito é fantástico. Em “Thela Hun Ginjeet”, Fripp executa um
riff em 7/8, enquanto a banda inteira toca em 4/4, criando um efeito rítmico único.
Nessa música, percebemos o quão pode-se ir longe ao criar ambiências com as
guitarras, em momentos em que Belew realiza uma espécie de percussão com harmônicos
abafados e delays, assim como quando extravasa
o uso da alavanca, e Fripp usando e abusando de seus efeitos, seja nos solos ou
nas bases. Na bela “Matte Kudasai”, Belew
usa a guitarra em slides, unidos ao delay
e ao uso do botão de volume, criando em certas horas uma atmosfera que nos
dá a sensação de flutuar no ar e em outras o barulho de gaivotas! A linda melodia de vocal de Belew completam o clima tranquilo da música. Em “Indiscipline”, é o momento de Bill
Bruford se libertar de ritmos únicos e realizar uma espécie de improviso, com
diversas hemiolas, principalmente
quando executa ao vivo.
As instrumentais
fecham o disco com maestria. “The Sheltering
Sky” é registrada com Belew fazendo a base e Fripp passeando com o Frippertronics e sintetizadores. Vale
destacar o uso da Slit Drum por Bill
Bruford, uma espécie de caixa percussiva que é utilizada mais na percussão africana,
incorporação que caracteriza a World Music. Este é um elemento essencial na
música, criando cozinha ideal para que houvesse o realce das belas guitarras de
Fripp. “Discipline” é uma faixa que
poderia ser definida como “hipnose musical”. Com o excesso de repetição de
riffs, as guitarras tocando arpeggios
diferentes em tempos diferentes com o mesmo timbre, a bateria percussiva e o chapman stick em frases complexas, que
enganam os ouvidos por vezes se estão usando ou não a sua parte guitarra, temos
uma música que cria um estado de ritmo arrítmico, de conforto que incomoda, uma
hipnose consciente regada a curiosidade de imaginar como esta música está sendo
executada.
Este álbum pode ser definido com o estranho rotulo de New World Wave Music complexa. Não é música para dançar, mas também não é música para relaxar. O título,” Discipline” exprime a técnica e concentração dos músicos do KC ao executarem composições tão complexas, e ao mesmo tempo vai de desencontro com o que o álbum reproduz: desconstrução, rompimento com o som tradicional da banda, inconstância. A primeira audição de “Discipline” será confusa: você pode não conseguir ouvir a obra como um conjunto, prendendo-se a guitarra histérica de Belew, perdendo-se no ritmo hipnótico de Bruford. Mas tenho quase certeza que a vontade que você vai ter ao acabar a audição é querer ouvir de novo, e de novo, afinal: “I repeat myself when I’m under stress”! Quando finalmente você se acostumar e conseguir enxergar o conjunto da obra, tenho certeza que “Discipline” será um álbum para toda a vida. E é por isso que tentei em meu texto explicar ao máximo os detalhes técnicos de cada música: deixe que flua na primeira vez, e então volte a lê-los (principalmente se você é musico e se interessa por novos conceitos).
Este álbum pode ser definido com o estranho rotulo de New World Wave Music complexa. Não é música para dançar, mas também não é música para relaxar. O título,” Discipline” exprime a técnica e concentração dos músicos do KC ao executarem composições tão complexas, e ao mesmo tempo vai de desencontro com o que o álbum reproduz: desconstrução, rompimento com o som tradicional da banda, inconstância. A primeira audição de “Discipline” será confusa: você pode não conseguir ouvir a obra como um conjunto, prendendo-se a guitarra histérica de Belew, perdendo-se no ritmo hipnótico de Bruford. Mas tenho quase certeza que a vontade que você vai ter ao acabar a audição é querer ouvir de novo, e de novo, afinal: “I repeat myself when I’m under stress”! Quando finalmente você se acostumar e conseguir enxergar o conjunto da obra, tenho certeza que “Discipline” será um álbum para toda a vida. E é por isso que tentei em meu texto explicar ao máximo os detalhes técnicos de cada música: deixe que flua na primeira vez, e então volte a lê-los (principalmente se você é musico e se interessa por novos conceitos).
Espero não ter
prolongado demais o texto. É extremamente difícil escrever a respeito de um dos
álbuns mais fascinantes da carreira do King Crimson e com certeza um importante
marco na música mundial. Segue agora a tracklist
e o link para audição do álbum:
Abraços
e tenham uma boa experiência!
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