Sunday 22 September 2013

Script for a Jester's Tear - O primeiro passo do Marillion, um grande passo no rock progressivo



Primeiro disco da carreira do Marillion, primeiro disco que eu ouvi deles. O Marillion é uma banda marcante para mim, foi a banda que marcou uma parte da minha adolescência, era a banda que eu ouvia naqueles momentos fossas sem muita razão que se tem quando você tem uns 13 anos. Mas, além disso, o Marillion é uma banda marcante para a minha família. Meu tio mais velho comprou o disco assim que lançou no Brasil, o que eu acredito que tenha sido por volta de 84, e foi uma paixão à primeira vista. Meu pai e meu tio mais novo também se apaixonaram pela banda, e assim divulgaram para muitos dos amigos. Infelizmente, o Marillion não se tornou tão conhecido no Brasil, e só veio à tona quando, em 1990, quando já tinha Steve Hogarth nos vocais, veio para o Hollywood Rock e fez um excelente show. Tive o prazer também de testemunhar um show deles em outubro do ano passado, em São Paulo, e posso dizer de boca cheia que o Marillion é um dos gigantes do rock progressivo que estão mais em forma na atualidade e podem ainda nos promover muitas surpresas...

O ano era de 1983. As grandes bandas do rock progressivo, que surgiram no final da década de 60, início da década de 70, passavam por uma fase de mudança quase que extrema de sonoridade. O Yes iria lançar o “90125”, um expoente da música pop/wave da época, que era decorrido de uma nova formação do grande expoente do rock progressivo dos anos 70. O Genesis consolidava uma sonoridade pop que vinha mais fortemente desde “Abacab” no álbum homônimo “Genesis”, que tinha hits como “That’s All” e “Mama”. O movimento punk na Inglaterra havia desviado toda a atenção dos jovens, que agora procuravam músicas rápidas, agressivas, com cunho político de revolta. O wave dominava as rádios, até as bandas mais hard rock do progressivo, como o Rush, haviam alterado a sonoridade para “algo mais simplificado”.

Acontece que, desde 1979, o Marillion (que se chamava Silmarillion, referente ao livro de J. R. R. Tolkien, mas teve que mudar justamente por causa de direitos autorais) vinha tentando solidificar uma formação, até que em 1982 eles lançaram o single “Market Square Heroes”, que teve uma certa repercussão na cena, e já contava com a formação do álbum debutante: Fish nos vocais, Steve Rothery na guitarra, Mark Kelly nos teclados, Pete Trewavas no baixo e Mick Pointer na bateria. A produção ficou por conta de David Hitchcock, o mesmo produtor do maravilhoso “Foxtrot” do Genesis, que iria produzir o primeiro álbum, porém acabou sofrendo um grave acidente, que deixou a produção NickTauber, produtor de alguns álbuns do Thin Lizzy.

Em 1983, é lançado então o primeiro álbum, “Script for a Jester’s Tear”, cuja capa e contracapa era essa:


Como vocês podem ver, a capa diz muito sobre o conteúdo do álbum: um conteúdo sombrio, melancólico, um artista frustrado em seu quarto que gostaria de expor todos os seus sentimentos através da música. A primeira faixa, que é a homônima ao álbum, inicia-se com longos acordes de pianos, e é uma ótima faixa para exemplificar o rock progressivo contido nesse disco. Existe toda uma dinâmica, que por vezes notamos ser espécie de atos dentro da “Script for a Jester’s Tear”. A ambientação criada por Mark Kelly, unida aos clássicos riffs dedilhados de Steve Rothery, cria cenários para as diferentes estrofes/momentos das música. Logo se nota o baixo marcante de Pete Trewavas, sempre com um timbre mais ativo, criando frases totalmente harmônicas e visíveis dentro das músicas do Marillion. Vale ressaltar também as linhas de Mick Pointer, que viriam a ser uma base para o futuro batera Ian Mosley, completando a excelente cozinha que o Marillion tem, sempre com as viradas sendo acompanhada pelo baixo e os ritmos quebrados que dão toques únicos as suas músicas.

Mas querendo ou não, a grande estrela desse álbum é o Fish. Todas as músicas eram construídas em cima de suas poesias, que eram repletas de alegorias e carregavam temáticas pesadas, com certo conteúdo crítico. Exemplos disso podem ser dados com “He Knows, You Know” que trata-se do vício das drogas, mais especificamente da heroína, como pode-se ver no trecho “Light switch, yellow fever, crawling up your bathroom wall/Singing psychedelic praises to the depths of a China bowl/
You've got venom in your stomach, you've got poison in your head
”, a bela “Chelsea Monday”, que fala sobre a vida de uma prostituta, seus sonhos, frustações e a morte tão banalizada e desumanizada e “Forgotten Sons” , que fala sobre a guerra e os jovens envolvidos nela, essa relação do Estado com o controle sobre a decisão desses jovens e como a família deles agem perante a isso.

Fish foi muito lembrado como Peter Gabriel, vocalista do Genesis, tanto no jeito de cantar quanto pelas letras complexas e alegóricas. Fish chegou a confessar que “Grendel”, um épico lançado no single “Market Square Heroes”, é a “Supper’s Ready” do Marillion, referindo-se ao clássico épico do álbum “Foxtrot” do Genesis. A verdade é que muita coisa da sonoridade desse álbum remete ao rock progressivo clássico: os riffs de sintetizador de “He Knows You Know” lembram muito, por exemplo, “Firth of Fifth” do Genesis, assim como os solos de Steve Rothery, onde percebemos uma grande influência de Daivid Gilmour. Aliás, neste primeiro álbum, o Rothery era extremamente limitado tecnicamente. Todos os solos são simples, porém extremamente harmoniosos, mas ele mesmo confessa que entrou em um estudo intensivo quando ingressou no Marillion, e podemos ver extremas diferenças nos solos, por exemplo, do quarto disco da banda “Clutching at Straws”, onde existe ainda o mesmo feeling, porem com muito mais exploração de técnicas.

Vemos no álbum um extremo bom gosto para arranjos e dinâmicas, todas as seis músicas parecem um pequeno mundo, cada uma com seus atos e suas temáticas. Para quem não gostar muito da sonoridade do álbum de estúdio em si, recomendo que assistam o “Recital of the Script” um DVD de um fantástico show de 83 onde o álbum é executado inteiro e ainda conta com a execução dos singles “Market Square Heroes” e "Grendel". Nele, podemos ver também a teatralidade que Fish colocava em sua performance ao vivo, remetendo mais uma vez ao mestre Peter Gabriel.

Este álbum é extremamente recomendado para os fãs de rock progressivo e para as pessoas que gostam de músicas com boas letras. Se você gosta também de “rock com teclados” não vai se arrepender, arrisco dizer que Mark Kelly é um dos tecladistas do rock com mais bom gosto para timbres.

Espero que gostem! Segue o tracklist do álbum e um link para ouvir no YouTube



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