Monday 23 September 2013

The Inner Mounting Flame - O filho ácido de Miles Davis



Para falar de Mahavishnu Orchestra, temos que falar de Miles Davis. O grande gênio do jazz estava em mais uma fase de se reinventar. Após o polêmico “In a Silent Way”, onde Davis havia começado com sua experimentação que daria origem ao jazz-fusion e onde havia conhecido o jovem John McLaughlin, ele resolve fazer “uma puta banda de rock and roll” para o seu próximo álbum, que é nada mais nada menos que “Bitchies Brew”. Para isso, ele convoca novamente um time de peso, que inclui Wayne Shorter e Joe Zawinul (que viriam a formar o Weather Report, um dos maiores expoentes do jazz-fusion), Chick Corea (que viria a fundar o Return to Forever, outro grande expoente do jazz-fusion) e finalmente John MacLaughlin e Billy Cobham, que a partir dessa encontro se uniriam para fundar o Mahavishnu Orchestra.

(Curiosidade: um dos músicos também é o Sr. Airto Moreira, do Brasil! Ele participaria também futuramente no Return To Forever)

Mas o que é mais importante no “Bitchies Brew” além do encontro dos músicos fundadores? Tudo. Esse álbum foi a extravagancia máxima de Miles Davis, foi uma quebra total de tradição no jazz. Algumas músicas deste álbum simplesmente não foram ensaiadas, só havia algum tom, e podia-se ouvir algumas vezes estalos de dedos guiando o tempo, assim como comandos de voz de Davis para indicar quem ia solar em determinado momento. A guitarra elétrica, os pianos elétricos, as inconstâncias do trompete de Miles Davis, tudo em uma conjuntura de experimentalismo nunca até então registrada desta maneira. Isso vinha em conjuntura com o desejo dele de se atualizar com os outros movimentos, como podemos ver na cena da Inglaterra, onde o Pink Floyd e o jovem King Crimson usavam do experimentalismo dentro do rock, criando o que viria a ser o rock progressivo. Deste álbum surgiu o jazz-fusion, alguma semente do funk e com certeza muitas outras coisas muito além do seu tempo, como por exemplo “OK Computer”, do Radiohead, em que ThomYorke disse ter ouvido bastante “Bitchies Brew” antes de compô-lo.

Dessa maneira, John MacLaughlin e Billy Cobham haviam experimentado essa ruptura com as barreiras tradicionais do jazz na forma mais crua possível. John MacLaughlin fomentou então uma banda que contivesse instrumentistas de diversas partes do mundo, para assim mesclar os mais diversos ritmos possíveis. Essa ideia sua já era algo pré-concebido por sua influência da música indiana, através de seu estudos com o guru Sri Chinmoy, que inclusive encorajou o nome da banda (“Mahavishnu” significa “Compaixão divina, poder e justiça”). Assim, a banda contava com McLaughlin que era inglês, Billy Cobham que era do Panama, o tecladista Jan Hammer da República Tcheca, o violinista Jerry Goodman de Chicago e o baixista Rick Laird da Irlanda.

A primeira audição de “The Inner Mounting Flame” quase certamente não será agradável. A primeira faixa “Meeting of the Spirits” já é uma violência extrema. A harmonia agride, a velocidade das notas de Billy Cobham agride, a guitarra e o violino frenéticos em solos conjuntos agride, tudo isso leva a pensar em um encontro de espíritos que beira uma disputa pela saída do Purgatório. Os momentos e volumes se alternam, mas a tensão é constante. O que levaria, então, ao renomado guitarrista Steve Vai a dizer sobre essa música “Cada músico é fenomenal e esta peça tem fluxos e refluxos, levanta-se e explode com ameaçador aura metafísica? Então você vai para a segunda faixa, “Dawn” e aqui encontramos uma leve batida 7/4, e assim os instrumentos vão entrando novamente, o violino e a guitarra vão se tornando frenéticos e mais uma vez a música explode. Você passa para a faixa três, e logo é recebido por um groove funk frenético e...a ficha cai. Sim, o som do Mahavishnu Orchestra é agressivo, é o chamado de acid jazz, e quando se diz acid, não se está referindo ao ácido lisérgico, mas sim ao sentido de efervescência, de corrosão, de amargo na garganta. Os únicos momentos que são mais calmos são os das faixas “A Lotus On Irish Stream” e “You Know You Know”, mas quando digo mais calmos, se refere a ausência de rápidos andamentos, de um beat agressivo, mas ainda sim ouvimos a fúria, como um vento trespassando os campos e quase arrancando a lótus do solo em alguns momentos de “A Lotus On Irish Stream”. A mescla de dissonância e blues clássico em “The Dance of Maya”, com a retomada inesperada de seu tema inicial quando ainda o blues prevalece mostra a capacidade que esses músicos tinham de ter domínio sobre os diversos ritmos, e assim utilizar isto nestas geniais composições.

The Inner Mounting of Flame” exprime toda a técnica e transcendência que esses espetaculares músicos tinham naquele momento. Podemos ainda observar que certas músicas lembram mantras, mas mantras explosivos, que não remetem a meditação, e sim a libertação violenta de uma alma frustrada pelo mundo moderno. A primeira audição desses disco, assim como seus sucessores, assusta, incomoda. Mahavishnu Orchestra não é uma banda para se ouvir todos dias, mas ela cai como uma luva nos dias em que precisamos extravasar todos os sentimentos confinados pela rotina. Abra sua mente, prepare os ouvidos, ponha pra tocar em um bom som e sinta a vontade de aumentar o volume a cada música. Se você estiver no dia certo, terá uma ótima experiência!

Segue a tracklist e o link para acessar o álbum no Youtube (infelizmente, não se encontra todas as músicas do álbum neste link):

1- Meeting of the Spirits
2- Dawn
3- The Noonward Race
4- A Lotus on Irish Streams
5- Vital Transformation
6- The Dance of Maya
7- You Know You Know
8- Awakening


Um grande abraço e até a próxima!

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