Wednesday 25 September 2013

Nursery Cryme - O início do teatro-música do Genesis


Eu sou suspeito para falar sobre o Genesis. Na minha adolescência eu tinha uma certa compulsão pela banda, principalmente pela fase do Peter Gabriel. Minha família sempre ouviu Genesis, influência da popularidade da banda nos anos 80, mas meu pai e meu tio também gostavam muito da fase Peter Gabriel.  Eu só fui descobrir algo dessa época um belo dia em que abri o porta-luvas do carro do meu tio e me deparei com o “Genesis: Live” com aquela bela capa do momento ao vivo que eles tocam “Watcher of the Skies”, com Peter Gabriel em sua fantasia Batwings” e o belo azul de luzes no palco. A partir daquele momento, eu entrei de cabeça no mundo do Genesis, e o próximo álbum que eu encontrei foi justamente o “Nursery Cryme”.

O Genesis, um pouco antes da gravação deste álbum, passou por um sério período de transição. Anthony Phillips, que estava por trás de grande parte da sonoridade da banda no álbum anterior, “Trespass”, havia se retirado, pois ele tinha um grande “medo de palco” e seu médico recomendou que ele parasse com as apresentações e, após três bateristas diferentes, a banda também estava desfalcada nas baquetas. Peter Gabriel então insere um anuncio nos jornais a respeito do recrutamento de novos membros e neste momento entra Phil Collins na história do Genesis. Em contato com a bateria desde pequeno, Collins desenvolveu na adolescência mais seu lado ator, só em 1969 iniciando de fato sua carreira de músico, com o álbum “Ark 2” com a banda Flaming Youth, um álbum conceitual que pode ter um trecho seu ouvido aqui. A banda acaba depois de algumas tensões e pela falta de sucesso comercial. Collins consegue realizar um bom trabalho, gravando a percussão na faixa “The Art of Dying” de George Harrison, e é isso que também chama a atenção de seus futuros companheiros de banda. Realizada na casa dos pais de Gabriel, Collins nadava na piscina enquanto os demais candidatos faziam suas audições, decorando as partes das músicas. Na sua vez, ele realmente se mostra versátil e, nas palavras de Gabriel “Seu corpo e o kit da bateria possuíam uma relação incrível”. A banda também angariou o guitarrista Mick Barnard, com quem realizaram cerca de 30 shows entre o final de 70 e início de 71. Insatisfeitos com a performance de Barnard (principalmente Tony Banks, que era extremamente preocupado com a sonoridade da banda), eles voltam a procurar guitarrista e assim encontram o sr. Steve Hackett, que estava no Quiet World, que havia lançado apenas o álbum “The Road” (uma faixa do álbum pode ser ouvida clicando aqui).

Assim, estava feita a formação que atuaria nos próximos três discos: Peter Gabriel nos vocais, flautas e bumbo, Tony Banks no teclado e eventualmente no violão, Mike Rutherford no baixo e guitarra, Steve Hackett na guitarra solo e Phil Collins como segunda voz e bateria. Uma grande parte das músicas já estavam prontas em partes (“Musical Box” e “Fountain of Salmacis” possuíam partes já escritas anteriormente por Anthony Phillips). O Genesis encontra uma outra sonoridade, dando um passo para a escuridão de seu som, abandonando o que havia sido visto em “Trespass”, que possuía mais melodia alegres e uma temática menos densa. Vou expor aqui inicialmente o seguinte fato: “Nursery Cryme” não foi o álbum que levou o Genesis à explosão comercial, mas foi aquele que consolidou com certeza sua grande personalidade. O final dos anos 60 e o começo dos 70 foi uma época que fomentou muitas bandas do rock progressivo, muitas delas infelizmente parando em seu primeiro ou segundo álbum por não terem atingido sucesso comercial, pelos mais diversos motivos: falta de um bom empresário, tensões internas mas, muitas vezes, por falta de originalidade. E o Genesis com certeza tinha esse potencial para ser uma banda de personalidade.

Por que? Bem, comecemos pelo encarte deste álbum:


Nessa parte do encarte, observa-se a letra de “The Musical Box”, uma pequena história referente a ela e “Harold the Barrel”, que é escrita em forma de teatro. Esta é uma das belezas do Genesis. Começando por “The Musical Box”, você jamais conseguira entender o contexto da letra se você não ler a história no encarte (e no caso dela, não entenderá o conceito da capa também). A história da música é a respeito da irmã que, jogando críquete com seu irmão, mata ele removendo sua cabeça utilizando o bastão. Em um belo dia, ela encontra a caixa de música do irmão e abre, e assim começa a tocar “Old King Cole” juntamente com o surgimento do espirito dele, que aparece envelhecendo rapidamente. Assim, ele começa a ter desejo sexuais pela irmã e tenta a persuadir, mas então chega a enfermeira da família e arremessa longe a caixa musical, destruindo esta e o irmão. A história é refletida diretamente na letra e estrutura da música, que é dividida em atos explicitamente. A harmonia bonita e triste do começo carrega partes pesadas da letra, como “And the nurse will tell your lies/of a kingdom beyond the skyes/but I’m lost within this half-world/It hardly seems to matter now”, mostrando o confinamento do garoto em um mundo desconhecido. O final, por exemplo, é o irmão já velho, implorando por sexo: “Why don’t you touch me? Touch me now!”. Essa letra é inspirada na casa vitoriana que Gabriel viveu na infância e fala um pouco sobre a d
eturpação da magia da vida que a idade adulta nos trás. Na performance ao vivo, podemos observar a relação que a música de Genesis tinha com o teatro e como ela era interpretada por Gabriel da forma que trouxesse mais vida a letra possível, que pode ser observada no vídeo a seguir:

Outra ponto importante nesta primeira música é a mudança de sonoridade da banda. Steve Hackett trouxe guitarras mais densas e solos mais complexos, utilizando até mesmo a técnica de tapping, que não era nem um pouco comum na época. Phil Collins trouxe uma atmosfera percussiva para a bateria: observa-se linhas de chimbal nas partes mais baixas da música que criam um clima não existente nas músicas anteriores do Genesis. Além disso, há uma certa violência nas viradas que auxiliam a música a crescer nos devido momentos, como no momento antes de seu groove cavalgada, levando a música ao seu ápice e, é claro, seus bem encaixados backin’ vocals. Tony Banks traz um piano elétrico envenenado com um efeito overdrive, que cria uma segunda guitarra solo em alguns momentos, e órgãos que realizam um clima majestoso e emocionante ao final da música. Mike Rutherford introduz os pedais de baixo, tocando guitarra base nessa música, tanto no estúdio quanto ao vivo, e Peter Gabriel, mesmo confessando não gostar de tocar, usa a flauta em momentos que criam uma camada essencial à melodia. “The Musical Box” definitivamente é o cartão de visitas para um Genesis diferente, mais maduro e agressivo, conciso e poético.

For Absent Friends” é a primeira música que Phill Collins faz a voz principal, e que Steve Hackett desfila com suas habilidades em composições ao estilo violão clássico. Junto com “Harlequin”, são peças pequenas e bonitas, que formam importantes interlúdios no álbum. “The Return of the Giant Hogweed” começa com uma introdução em que Banks utiliza seu piano elétrico distorcido e Hackett um belo riff utilizando tapping. A letra é baseada em uma praga de plantas que aconteceu na Inglaterra, e Peter Gabriel transforma-as em monstros invadindo o país. A música é pesada (mais pesada ao vivo, particularmente), com um show de grooves e viradas de Phill Collins e uma linha incrível de baixo de Rutherford. Aliás, ele é perito nisso, na minha opinião: todas as músicas do Genesis possuem  linhas de baixo complexa e que falam por si só, e é estranho ver como Rutherford não é citado como referência de baixistas de rock...

Seven Stones” é uma excelente composição, onde a banda retoma um pouco daquelas harmonias iluminadas de “Trespass”, com destaques para os vocais harmonizados, hora Gabriel e Collins, hora corais, assim como o Mellotron, teclado que simula as cordas de uma orquestra, recém aquisição de Banks (comprado do King Crimson!). A letra carrega um conteúdo folclórico, contando a lenda de um velho marinheiro sobre sorte. A guitarra de Hackett aparece pesada, mas sob medida, criando um clima tenso nas horas certas. “Harold the Barrel”, traz a história de Harold, um homem que quer se suicidar. Nessa pequena peça, Peter Gabriel desfila com uma letra criticando a sociedade de forma trágica e cômica, mostrando as mesquinharias e os julgamentos feitos sobre um homem que só queria estar vivendo longe daquele lugar. Isso fica evidente no final da música: a sociedade grita “Nós podemos te ajudar! Somos todos seus amigos, se você descer e vier conversar conosco!” e Henry, no seu último momento de desilusão diz “Vocês devem estar brincando...” e pula, final trágico entoado pelos acordes tristes do piano. Essa é uma crítica que Gabriel vai repetir muito nos próximos álbuns: críticas à sociedade britânica antiga, mas querendo atingir a contemporânea, através de alegorias criadas num cenário inusitado.

O álbum se encerra com “The Fountain of Salmacis” que conta de Hermaphroditus (personagem de ambos os sexos da mitologia grega que gerou o termo “hermafrodita”) e a ninfa Salmacis, que se une forçadamente à Hermaphroditus, insinuando um estupro, fazendo assim os dois se tornarem um só.  Uma referência à mitologia grega, essa música é mais no tom de poesia, sem nenhuma analogia evidente (apesar de que, se tratando de Gabriel, sempre existe alguma coisa por trás). Com um instrumental complexo, cheio de difíceis passagens e dinâmicas, a banda mostra todo seu entrosamento que viria a resultar na química para os próximos álbuns: linhas de vocais indispensáveis, grooves e viradas swingadas, o Mellotron e o órgão com camadas engrandecedoras, a guitarra falando baixo quando preciso, gritando em solos tocantes, principalmente ao final da música e o baixo, como eu já disse, um show à parte.

Nursery Cryme” não teve a melhor das recepções na época. A Rolling Stones disse que o problema era na produção, e eu concordo em partes: existiam músicas que ficavam muito mais poderosas ao vivo. Mas isso também pesava pelas performances teatrais que o Genesis realizava, o que com certeza dava mais vida pra música. Independente disso, esse álbum era o primeiro passo da história dessa grande banda para uma nova fase musical, que marcou uma era da música mundial e uma geração toda, e continua marcando até hoje. A audição desse álbum é rápida: se você já conhece o conceito de rock progressivo, será mais rápida ainda. Aconselho que as letras sejam acompanhadas em uma segunda audição e, por favor: assistam performances ao vivo dessa época, e assim dá pra se entender a grande essência da música do Genesis!

Segue o tracklist e o link para ouvir no YouTube:

1 – The Musical Box
2 – For Absent Friends



Um abraço e até a próxima, tenham uma boa experiência! 

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